Dec 26 / Alef Dias

Relatório Semanal Macroeconomia - 2023 12 26

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Argentina: ajustes animam o mercado, mas desafios persistem

  • Nas últimas duas semanas a Argentina tem movimentado o noticiário macro com as primeiras medidas econômicas novo governo. O direcionamento das políticas econômicas estão, até o momento, em linha com o que o mercado entende como o necessário para ajustar os severos desequilíbrios presentes na economia argentina.
  • O déficit fiscal – principal problema a ser resolvido – já foi endereçado, e agora a implementação dos ajustes deve ser seguida de perto.
  • O desequilíbrio cambial também foi atacado, com a devida cautela devido à escassez de reservas cambiais que impacta o país. No âmbito monetário, a alteração da taxa de referência pode resultar em uma pressão inflacionária adicional, embora seja reconhecido como um ajuste operacional importante.
  • Agora, o foco do mercado deve se concentrar na velocidade com que as reformas propostas pelo governo atual serão implementadas e na resistência que possa surgir em relação a essas mudanças. Esse cenário deverá desempenhar um papel significativo na precificação dos ativos no país nos próximos meses.

Introdução

Nas últimas duas semanas a Argentina tem movimentado o noticiário macro e de grãos com as primeiras medidas econômicas de Javier Milei – novo presidente empossado no último dia 10. Neste relatório essas medidas serão abordadas, com foco de entender como elas devem impactar os mercados de commodities no médio e longo prazo.


Primeira onda de ajustes: cortes de gastos e desvalorização cambial

As primeiras medidas do novo governo, anunciadas no dia 12, focaram na questões cambiais e fiscais. A administração recém-inaugurada enfraqueceu a taxa de câmbio oficial para 800 pesos por dólar. Antes da mudança, ela era de 366,5 pesos por dólar, o que significa uma desvalorização de 54%. A partir de agora, o banco central terá como meta uma desvalorização mensal de 2%.

No lado fiscal, o governo planeja cortar gastos equivalentes a 2,9% do PIB. Os cortes nos subsídios à energia economizarão 0,5% do PIB, enquanto as reduções nos subsídios ao transporte economizarão 0,2%, de acordo com as estimativas do governo. O governo também espera que as reduções na seguridade social e nas pensões economizem mais 0,4% do PIB. O governo também planeja acabar com a indexação dos pagamentos de pensão.

No lado da arrecadação, o governo pretende aumentar em 2.2% suas receitas para o próximo ano. Uma das principais ferramentas para atingir esse resultado deve ser a taxação de importação e exportação de produtos. Isso deve desestimular ainda mais as importações e transferir parte dos ganhos dos exportadores com uma taxa de câmbio mais fraca para os cofres públicos.

Nas semanas anteriores à desvalorização, os exportadores vinham convertendo seus lucros a uma taxa de câmbio diferenciada - a média entre as taxas oficial e paralela, de modo que o impacto da desvalorização não deve ser tão dramático para eles quanto para os importadores.
Figura 1: USD/ARS - Taxa de câmbio oficial e Peso Blue

Fonte: Refinitiv

Figura 2: Déficit Fiscal Argentina (% do PIB)

Fonte: Bloomberg

Política monetária: confiança nos ajustes fiscal e cambial permitem mudança operacional

No último dia 19, o Banco Central da Argentina (BCRA) anunciou a mudança da sua taxa de referência para a política monetária. O BCRA passou a usar a taxa de recompra de um dia como referência de sua política e anunciou que não leiloará mais os títulos Leliq de 28 dias que vinha usando para absorver a liquidez do mercado. A taxa dos títulos Leliq - a taxa oficial da política até então - é de 133%; a taxa de recompra de um dia foi reduzida de 126% para 100% em 13 de dezembro.

O banco central também reduziu a taxa mínima que os bancos devem pagar aos clientes sobre depósitos de 30 dias de 133% para 110%. Isso se compara à inflação anual de 160,9% em novembro e a uma previsão mediana de 226,7% nos próximos 12 meses, o que implica retornos reais negativos para os depositantes.

A medida parece ser mais um passo para incentivar os bancos a direcionarem os fundos de seus depositantes para títulos emitidos pelo governo, em vez de deixá-los no banco central. Isso melhoraria o balanço patrimonial do BCRA - reduzindo os passivos - e as chances do governo de financiar seu déficit no mercado, em vez de fazê-lo por meio da emissão de moeda.

Há riscos nessa estratégia. Ela depende fundamentalmente da confiança do mercado na capacidade do governo de cumprir seu plano fiscal. Se os bancos desconfiarem da capacidade de crédito do setor público, eles poderão continuar a colocar os fundos dos clientes no acordo de recompra de um dia. As taxas reais negativas para os depositantes também podem alimentar uma corrida para o dólar - o que poderia enfraquecer a taxa paralela - a menos que os investidores estejam convencidos de que a moeda provavelmente se fortalecerá substancialmente ao longo do tempo. Elas também poderiam acelerar ainda mais a inflação.
Figura 3: Mudança na taxa de política monetária – Argentina (%)

Fonte: Bloomberg

Figura 4: Inflação Argentina (%)

Fonte: Refinitiv

Reformas liberalizantes e resistência às mesmas

Além das mudanças na política econômica, Milei anunciou na quarta-feira passada uma lista inicial de 30 políticas – que são parte de uma lista maior com mais de 300 medidas – que tem como principal foco reduzir o papel do estado na economia Argentina.

Wall Street aplaudiu o primeiro lote de reformas, com grandes bancos incentivando seus clientes a comprarem os títulos soberanos do país. Apesar do otimismo com essas reformas, é necessário acompanhar a implementação das mesmas e até onde ele pode ir na implementação de seu plano por decreto de emergência.

O que é certo é que ele enfrentará oposição no Congresso, onde não tem maioria, mesmo com os votos combinados da coalizão favorável aos negócios que provavelmente o apoiará. Além disso, é provável que algumas das medidas e a decisão de legislar por decreto sejam contestadas nos tribunais, e a oposição já começou a organizar manifestações contra suas políticas.

Figura 5: Títulos Dívida Argentina - Diferentes Vencimentos

Fonte: Bloomberg

Em Resumo

O direcionamento das políticas econômicas do governo de Javier Milei estão até o momento em linha com o que o mercado entende como o necessário para ajustar os severos desequilíbrios presentes na economia argentina. O déficit fiscal – principal problema a ser resolvido – já foi endereçado, e agora a implementação dos ajustes deve ser seguida de perto.

O desequilíbrio cambial também foi abordado, e com a parcimônia necessária dada a falta de reservas cambias que aflige o país. No lado monetário, a troca de taxa de referência pode trazer uma pressão inflacionária adicional, apesar de se tratar de um ajuste operacional importante.

Agora, o principal do mercado deve ser no ritmo da implementação das reformas do atual governo e na resistência às mesmas. Isso deve ditar muito a precificação dos ativos no país nos próximos meses. No curto prazo, a mudança cambial deve impulsionar as exportações de grãos na Argentina, mesmo que o aumento da taxação sobre essas exportações retire um pouco da competitividade advinda da desvalorização da moeda do país.

Relatório Semanal — Macro

Escrito por Alef Dias
alef.dias@hedgepointglobal.com

Revisado por Victor Arduin
victor.arduin@hedgepointglobal.com

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